Instituto humanize

Amplificação das vozes da floresta

Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha

Diretores do filme ‘A Queda do Céu’
São Paulo, SP

Projeto relacionado: A Queda do Céu

Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha assinam a direção de “A Queda do Céu”, filme inspirado no livro homônimo do xamã Davi Kopenawa Yanomami e do antropólogo Bruce Albert. Com trajetórias marcadas por diferentes expressões de arte e manifestações de consciência social, Eryk e Gabriela não surpreendem ao escolher contar uma história que oferece uma oportunidade para a sociedade compreender melhor a relação dos povos originários com o território e a natureza.

Eryk nasceu em Brasília (DF) e costuma dizer que já nasceu no cinema, já que o episódio coincidiu com as filmagens de “A idade da Terra”, filme de seu pai Glauber Rocha. O desejo de se tornar diretor veio quando assistiu ao filme “Outubro” (1928) – o que aconteceu pouco antes de seguir para Bogotá, onde viveu com a mãe, Paula Gaitán, entre os 15 e 20 anos de idade. Em 2002, ele se formou na escola de cinema de ‘Los Baños’, em Cuba, e lá dirigiu o seu primeiro longa: “Rocha que voa”. Nos anos seguintes, lançou diversos trabalhos, entre eles “Cinema Novo” (2016), “Breve Miragem de Sol” (2019) e “Edna” (2021) – todos premiados em festivais ao redor do mundo.

Gabriela nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Atriz, diretora e pesquisadora, é formada em artes cênicas pela ‘Casa das
Artes de Laranjeiras’ e idealizou o projeto “Margens – Sobre Rios, Buiúnas e Vaga-lumes”, que, em 2015, estreou sua
primeira etapa com a peça “Guerrilheiras Ou Para a Terra Não Há Desaparecidos”. A segunda etapa, sobre o Xingu, deu origem a peça “Altamira 2042”, que estreou em 2019 e passou por cidades brasileiras e europeias. No cinema, Gabriela atuou em longas como “Anna”, “Breve Miragem de Sol”, “O Duelo” e “Jards”, e colaborou no argumento do curta “Igor”. Ela ainda assinou roteiro e produção do longa “Edna”.

Um manifesto cinematográfico único e potente

Morando em São Paulo, os dois fundaram, em 2002, a produtora ‘Aruac Filmes’ – que assina a produção de “A
Queda do Céu”. Eles contam que a obra, que está em fase de montagem, transmite mensagens importantes e se conecta com o propósito de ambos. “A realização do filme ‘A Queda do Céu’ é, além de um manifesto cinematográfico único e potente, uma aliança estratégica na amplificação das vozes da floresta naquilo que nos pede Davi: ‘levar suas palavras para longe para que os Brancos possam ouvi-las’”, afirmam.

O filme, que tem previsão de estreia para 2024 e é uma coprodução com a França, retrata uma profecia sobre o fim
do mundo feita por Davi Kopenawa. Na obra, Kopenawa denuncia e encaminha questões humanitárias e climáticas.
O foco do filme é a terceira parte do livro, em que o xamã toma o lugar do antropólogo e diz o que pensa sobre os não-indígenas e sua sociedade.

Eryk e Gabriela antecipam que as falas captadas de Davi Kopenawa soam como diagnóstico, alerta e convite. “Para
que voltemos nossas atenções às doenças que são trazidas e criadas a partir da relação predatória com a natureza, e para um outro modo possível de proceder”, revelam, completando que a obra mostra caminhos para reflexão. “O filme é uma oportunidade para a sociedade compreender melhor a relação dos povos originários com o território e a natureza, inclusive dos Yanomamis que lutam contra a mineração ilegal e as epidemias Xawara”, opinam.

Inspirando ação por meio de uma mudança de percepção

A produção coincide com um dos piores momentos no Brasil para os direitos dos povos indígenas e para a proteção
de seus territórios. “Isso acontece ao mesmo tempo em que a Amazônia perde vastas áreas de floresta para o
desmatamento e em que há um cenário com uma forte campanha para não demarcar nem mais um centímetro
de Terras Indígenas. Também há o enfrentamento de consequências da pandemia de Covid-19 – que afetou, de
forma contundente, a saúde das populações indígenas”, lamentam, acrescentando que o momento duro pede
uma busca por aliados. “É preciso proporcionar diálogo com diferentes grupos da sociedade para tentar criar,
coletivamente, soluções para a construção de um mundo socialmente mais justo e ambientalmente mais saudável.
Um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia deve ter como protagonistas os povos indígenas e as populações tradicionais”, defendem.

Eles acreditam que, para enfrentar tantos retrocessos, uma das saídas é trazer a população para a causa e difundir
ao máximo a cultura indígena, o que contribui para uma necessária mudança de pensamento. “É preciso conseguir
mudar a percepção sobre o valor da multiculturalidade e da diversidade na Amazônia. O tesouro da floresta inclui
guardiães que tem, como riqueza, seu conhecimento”, afirmam, complementando que o filme pode colaborar para
discussões nesse sentido.

“Como parte do legado do projeto cinematográfico, pudemos fornecer equipamentos audiovisuais aos comunicadores Yanomami e formar uma equipe híbrida para filmagens, incluindo os povos originários. Ainda trabalhamos com a ‘Associação Hutukara Yanomami’ na criação de um banco de imagens sobre os Yanomami”, contam, completando que são vídeos inéditos com duração aproximada de 30 horas.

O cinema é uma grande ferramenta de construção de vínculos e autoconhecimento para inspirar ação. Com o filme ‘A Queda do Céu’, os Yanomami são ouvidos como uma força geopolítica contemporânea, e essa é uma das missões da obra. O material será entregue ao Instituto Socioambiental (ISA) e fará parte do arquivo da própria associação

Como parte da imersão, Eryk e Gabriela ainda realizaram uma Oficina Audiovisual. “Foi uma oficina focada em
produção e reuniu comunicadores Yanomami. Ainda planejamos outra oficina sobre edição, já que o período
filmando ‘A Queda do Céu’ também garantiu a produção de quatro curtas-metragens filmados e editados pelos
Yanomami”, comemoram.

Na direção de uma produção conjunta com os Yanomami, os diretores estão desenvolvendo uma estratégia de
lançamento e de distribuição que acompanha uma proposta de campanha de impacto planejada com a
‘Associação Hutukara Yanomami’. “Além da circulação do longa-metragem e dos curtas em festivais internacionais
e em circuitos de cinema, a estratégia vai incluir viagens com os Yanomami a fim de promover debates. Já sobre a
distribuição, a ideia é criar um circuito de exibição em terra indígena Yanomami, além de distribuir a obra em plataformas de streaming”, concluem.