Gerente do Programa de Desenvolvimento Rural da Tabôa – Fortalecimento Comunitário
Uruçuca, BA
Projetos relacionados: CRA Socioambiental Mata Atlântica, Circuitos Agroecológicos, Plataforma Agroecológica – Muká, Uruçu na Cabruca
Filho de agricultores em uma família de 11 irmãos, Gabriel diz que nasceu “basicamente embaixo de um pé de cacau”. A agricultura é a base da sua família, produtora de cacau, assim como da comunidade onde cresceu e vive até hoje, em Uruçuca, no sul da Bahia.
Formado em engenharia ambiental, pela ‘Faculdade de Tecnologia e Ciências – FTC Itabuna’, e em técnico de
agropecuária, pela ‘EMARC-Uruçuca’, Gabriel é guiado pelo propósito pessoal de atuar na criação de oportunidades
no campo, assumindo um compromisso com a agricultura familiar e o desenvolvimento territorial. Entre suas irmãs e irmãos, Gabriel é o único que conseguiu permanecer próximo aos seus pais no campo, sem precisar ir ao Rio de Janeiro ou a São Paulo em busca de melhor qualidade de vida.
Atualmente, o principal instrumento para ajudá-lo nesse propósito é o trabalho com o crédito rural. Esse interesse
surgiu ainda na faculdade, quando pedalava cerca de 12km para ir e voltar das aulas e participar de movimentos sociais, e ganhou força nas suas primeiras experiências profissionais. Gabriel começou a trabalhar com microcrédito a partir dos anos 2000s, atuando como consultor do tema em bancos e instituições públicas. Foi assessor de crédito rural no ‘Banco do Nordeste do Brasil (BNB)’, onde trabalhou sobretudo com o ‘Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar’, o ‘PRONAF’. Além disso, foi técnico agropecuário da ‘Empresa Baiana de desenvolvimento Agrícola (EBDA)’ e, em 2014, secretário de administração do município de Uruçuca.
Parada: Tabôa
Hoje, o engenheiro é gerente do ‘Programa de Desenvolvimento Rural’ da ‘Tabôa – Fortalecimento Comunitário’, organização que atende cerca de 50 municípios baianos e que já foi eleita quatro vezes como uma das cem
melhores ONGs do país. Na parceria entre humanize e ‘Tabôa’, Gabriel é peça-chave para o impacto de três projetos:
‘Muká – Plataforma Agroecológica’; ‘CRA Socioambiental’; ‘Uruçu na Cabruca’.
No primeiro, o trabalho em rede é a base das atividades, a começar pelo próprio nome; ‘Muká’ é uma palavra de origem pataxó usada em saudação para sinalizar ‘união’ e ‘reunião’. O projeto, antes conhecido como ‘Circuitos Agroecológicos’, conta com a ‘Rede de Agroecologia Povos da Mata’, além de comunidades locais para incentivar a produção, beneficiamento, comercialização, crédito e certificação. Para além do cacau, produtos diversos da sociobiodiversidade são foco do projeto.
Para Gabriel, o ‘Muká’ proporciona cada vez mais o lugar, merecido, de destaque da agricultura familiar no país e, na
prática, forma uma rede que se conecta para cooperação mútua. Em 2021, por exemplo, devido às fortes enchentes
que atingiram regiões da Bahia, cestas básicas com produtos da agroecologia foram essenciais tanto para quem carecia de comida naquele momento quanto para produtores (as) prejudicados (as) pela dificuldade no escoamento da sua produção. Além disso, em 2020, o projeto inaugurou um centro de distribuição na cidade de São Paulo que
conecta redes agroecológicas de várias localidades do país, mobilizando cerca de 11 mil agricultores (as).
No que tange ao crédito rural justo como ferramenta de transformação, Gabriel atua como agente do ‘Certificado
de Recebíveis do Agronegócio’, ou ‘CRA’, para auxiliar o (a) produtor(a) no alcance de um financiamento que caiba
na sua realidade. Com a iniciativa, o agente enxerga que, além de servir como recurso necessário de alavancagem da
produção para geração de renda, o crédito rural é um vetor importante para combater desafios estruturantes, como
o desmatamento. Isso porque esse tipo de empréstimo é voltado para uma produção que mantém pilares sustentáveis e preserva as particularidades de um produto artesanal com o menor grau possível de danos ambientais.
Em números, o ‘CRA’, iniciado em 2019, possui 143 beneficiários (as), sendo que 39% conseguiram aumentar as
suas rendas após acessarem o crédito e 44% são mulheres. Especificamente na produção de cacau de qualidade, 58%
aumentaram renda, sendo 77,8% mulheres. Com 205 créditos cedidos até então e apenas 0,48% de inadimplência, 578 pessoas já foram beneficiadas indiretamente.
Gabriel consegue citar mais de uma razão para o sucesso da iniciativa, como a criação de propostas customizadas e uma rede de garantia solidária, no qual os (as) agricultores alertam os desafios surgidos ao longo do pagamento e buscam soluções para si e para os (as) demais.
A ‘Tabôa’ também atua com a cadeia do mel, porém apenas com a espécie nativa, e sem ferrão, chamada de
“uruçu amarela” e ideal para atividades de meliponicultura. Esse tipo de produção, mais lento do que a apicultura, pode ser realizada em casa com o conhecimento adequado. Ao atuar diretamente com o projeto, Gabriel também se tornou um produtor de mel e acompanha de perto como que produtores (as) de cacau, que acessaram ou não o ‘CRA’, podem usar a atividade como complemento de renda. Além da compensação financeira, a iniciativa proporciona conscientização ambiental para comunidades e escolas a respeito da preservação de espécies nativas.
A primeira vez de muitas
As três iniciativas sinalizam para Gabriel que o seu propósito de colaborar para a permanência cada vez maior de pessoas no campo, por meio do fortalecimento da agricultura familiar, está atrelado ao trabalho que exerce hoje, apesar do caminho longo que ainda existe. O ‘CRA’, por exemplo, atingiu, em sua cidade, 50 agricultores (as) familiares, O número chama a atenção ao considerar que a cidade de Uruçuca possui um total de 1500 agricultores (as) familiares.
Apesar do percurso extenso, Gabriel se orgulha de testemunhar mulheres, homens e jovens se fixarem no campo
e de experienciar momentos que não seriam possíveis sem o trabalho em rede e a parceria que se propõe. Um dos
momentos que mais o emociona é o caso de um beneficiário de crédito que provou chocolate pela primeira vez aos 40 anos, após começar a produzir o produto. Essa história remete a Gabriel a história do seu pai, que foi produtor de cacau, mas não conseguiu provar o chocolate em si. Mas também lembra a história da sua mãe, dos seus irmãos e irmãs, da sua comunidade e a sua, já que hoje ele possui a oportunidade de não apenas provar o chocolate, mas de mudar a sua vida a partir dele.