Instituto humanize

Legado, reconhecimento e identidade

Marlova Jovchelovitch Noleto

Diretora e representante da UNESCO no Brasil
Brasília, DF

Projeto relacionado: Coleção História Geral da África (HGA)

Marlova é referência em empatia e solidariedade. Assistente social de formação, ela nasceu em Uruguaiana, cidade do Rio Grande do Sul que fica na fronteira com Argentina e Uruguai, mas também é cidadã romena – o que já entrega sua visão ampla sobre as pessoas e o mundo. Hoje morando em Brasília, local em que fica o escritório da ‘UNESCO’, a gaúcha sustenta o reconhecimento de ser a primeira mulher diretora da organização no país.

Abrir caminho para outras mulheres coincide com a trajetória de Marlova até aqui, bem como com a sua aspiração de mudar o mundo. Ela conta que, quando criança, desejava ser uma coisa diferente a cada dia – o que encontrou quando começou a trabalhar na ‘Organização das Nações Unidas’ e se deparou com uma rotina dinâmica e preenchida por vários projetos. Marlova trabalhou por dois anos no ‘Fundo das Nações Unidas Para a Infância (UNICEF)’ antes de ser designada para a ‘UNESCO’. Ela está à frente do órgão da entidade destinada à Educação, Ciência e Cultura desde 2018, o que a aproximou ainda mais de causas como a equidade racial.

A ‘UNESCO’ está na dianteira da luta contra o racismo desde 1945, ano de sua criação. Pouco depois, em 1978, adotou a ‘Declaração sobre Raça e Preconceito Racial’, que reafirma que “todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e direitos, e todos formam parte integrante da humanidade”. Essa crença coincide com a visão de Marlova e aponta para uma conexão direta entre desigualdade social e questões étnico-raciais, sobretudo quando indicadores revelam, por exemplo, que desigualdades sociais afetam diretamente as diversas condições de acesso à educação.

Iniciativas que almejam proporcionar mais oportunidades e transformar a vida das pessoas aproximam ‘UNESCO’ e
Instituto humanize, e foi esse interesse em comum que uniu os dois lados em uma parceria importante: a reedição da
‘História Geral da África (HGA)’, coleção que estava esgotada no Brasil. O projeto ganhou vida em 2021, cerca de dez anos depois do lançamento da 1a edição em português, a fim de promover uma melhor compreensão sobre a origem histórico-cultural das matrizes africanas brasileiras, bem como de enfatizar suas contribuições para a construção da identidade nacional. A reedição contou com o apoio do humanize e da ‘Fundação Roberto Marinho’, e incluiu impressão e distribuição da íntegra da obra – formada por oito volumes, e da síntese – formada por dois.

A história que precisa ser contada

A ‘HGA’ conta a história do continente a partir da perspectiva dos próprios africanos e é resultado de uma pesquisa
científica multidisciplinar que se iniciou em 1964. O processo envolveu mais de 350 especialistas de várias áreas do
conhecimento e direção de um Comitê Científico formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos. A
coleção foi lançada em inglês, francês, árabe e português. A última foi um dos destaques, já que alcançou mais de 1
milhão de downloads em apenas um ano depois de sua disponibilização on-line.

Além de disponibilizar a reedição on-line, o projeto foi responsável por distribuir cerca de 500 coleções completas,
além de aproximadamente 100 sínteses. Os livros desembarcaram em Pará, Bahia e Rio de Janeiro e foram
direcionados para escolas, bibliotecas, centros culturais públicos, secretarias de educação, prefeituras e pessoas e
instituições influentes no tema.

Marlova enxerga a obra como um marco no processo de reconhecimento do patrimônio cultural da África. “A ‘HGA’
permite compreender o desenvolvimento histórico de seus povos e sua relação com outras civilizações a partir de
uma visão panorâmica e diacrônica, obtida de dentro do continente”, opina. Apesar das possibilidades que se abrem
a partir da circulação de uma coleção como a ‘HGA’, Marlova ainda observa desafios profundos. “Embora as
raízes étnicas do país sejam em larga escala africanas, o desconhecimento em relação ao continente africano faz
com que proliferem visões estereotipadas e preconceituosas, o que demonstra a urgência por soluções inovadoras que olhem para valores como dignidade humana, não violência e não discriminação”, reflete. Ela também acredita que há um grande desafio quando se trata de garantir a aplicação da Lei n. 10.639/2003, a qual promove o ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas. “Precisamos nos comprometer a enfrentar a questão racial e contribuir para acabar com o racismo estrutural que permeia a sociedade”, afirma.

Apesar dos desafios, Marlova crê que a aplicação didática da ‘HGA’ pode provocar reflexões importantes, e que o
ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas deve ser uma visão compartilhada por todos. “Como aqui há a
maior população originária da diáspora africana, o país se encontra em uma posição de destaque para elaborar e
disseminar conhecimentos que reflitam o reconhecimento e a ressignificação da história”, diz, acrescentando que o cenário clama por uma sociedade com mais acesso à informação. “Possibilitar a produção de materiais pedagógicos, que explicitem o reconhecimento e reforcem vínculos históricos, culturais, estéticos, econômicos e políticos – entre o
continente Africano e o Brasil – é algo transformador”, opina.

A diretora e representante da ‘UNESCO’ no Brasil acredita que não é possível olhar para o futuro sem antes reconhecer a falta de equidade do presente. Para Marlova, contribuir para a promoção da equidade racial e para o combate ao racismo passa por mais projetos focados no tema e por mais iniciativas que possibilitem o acesso a obras como a ‘Coleção HGA’.

 

Ações como essa contribuem para a transformação das relações étnico-raciais no Brasil, pois, além de oferecerem um material de alta qualidade para pesquisadores, servem de base para a criação de materiais pedagógicos que podem ser utilizados por professores e estudantes em sala de aula, o que permite o empoderamento dos alunos afrodescendentes e um maior reconhecimento do papel dos africanos na construção do Brasil