Diretor da Associação A Banca e CEO da Aceleradora de Negócios de Impacto (ANIP)
São Paulo, SP
Projeto relacionado: Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP)
“A música ultrapassa barreiras” é uma dessas frases comuns utilizadas para expressar o que a música pode significar
na vida das pessoas. Na zona periférica de São Paulo, especificamente em Jardim Ângela, o hip hop foi um ritmo
importante para iniciar uma empreitada transformadora, ultrapassando limites e ajudando a realizar sonhos.
Marcelo Costa, ou DJ Bola, como é conhecido artisticamente, percebeu que a música e a cultura no geral eram instrumentos influentes para o florescer de potencialidades e transformações na favela. Em 1999, Bola criou ‘A Banca’ no Jardim Ângela, lugar onde nasceu e vive até hoje. Inicialmente, ‘A Banca’ surge como um movimento e espaço coletivo de promoção de música e lazer para jovens que lidam diariamente com altas taxas de violência na sua
comunidade.
Quase dez anos depois, em 2008, após participar de um programa de aceleração para negócios de impacto (NIs) da
‘Artemisia’, ‘A Banca’ converteu-se em uma empresa social, unificando os seus objetivos iniciais com mais um instrumento de impacto: o empreendedorismo periférico. Nas palavras do DJ Bola, ‘A Banca’ passou a ter um propósito ambicioso de “(…) resolver um problema complexo que não fomos nós que criamos, a desigualdade social e econômica”.
O empreendedorismo na periferia conta com uma série de particularidades, a começar pela sua motivação que, muitas vezes, pode ser guiada pela necessidade emergencial de trabalho e geração de renda. Ainda, a ideia de empreender pode ser encarada com uma certa estranheza para quem lida com a escassez de direitos sociais básicos, como a ausência de energia elétrica, ou por quem enfrenta, na linha de frente, as consequências de desafios históricos e estruturais, como racismo e desigualdade.
Apesar de um cenário como esse, Bola acreditou que o empreendedorismo realizado dentro da favela merecia um
lugar de escuta, sobretudo porque negócios da periferia “(…) já nascem com o propósito enraizado”. Atualmente, o programa ‘Aceleradora de Negócios de Impacto (ANIP)’, implementado pela ‘Banca’ em parceria com a ‘Artemisia’ e o ‘Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV-CENN)’, surge com essa finalidade de despertar a identificação empreendedora na periferia e ajudar a desenvolver negócios por meio de acompanhamento e mentoria próxima.
Alcances e Projeções
Entre 2020 e 2021, foram mais de 50 negócios acelerados em edições que incluíram participantes das regiões sul e sudeste, mas também do norte e nordeste. Cerca de R$ 180 mil foram mobilizados em capital semente para 12 empreendimentos que se destacaram na aceleração.
Na ‘ANIP’, 66,6% dos negócios acelerados possuem lideranças femininas e 68,35% são de responsabilidade de pessoas autodeclaradas pretas. ‘A Banca’ procura, com ‘ANIP’, desenvolver negócios que enfrentam problemas complexos e enraizados. “Acredito que o desenvolvimento com investimento pluralizado e diferenciado nos empreendedores e empreendedoras sociais da periferia cria caminhos e provoca desconstrução, o que permite que a base da pirâmide inverta o jogo e se torne protagonista de soluções”, afirma Bola.
Na competição de mercado, essa base precisa gerar confiança para valorização do seu negócio frente a uma
preconcepção de risco à qual a periferia pode ser rotulada. “É preciso mais capital social e humano alinhado com o
dinheiro. A filantropia é parte fundamental para colaborar no início das ideias e negócios, […] é necessário promover
investimentos iniciais maiores nos empreendedores da periferia, […] é necessário ter um movimento de compras
permanente e acompanhada entre empresas e NIPs”, explica Bola.
De acordo com ‘A Banca’, em breve, a ‘ANIP’ irá atuar com acesso a crédito paciente, inteligente, acompanhado e
humanizado para NIPs. No entanto, para isso, ainda é preciso que investidores (as) mudem seu mindset e, assim, passem a enxergar a periferia além do rótulo de risco.
Empreendedorismo Periférico para as próximas gerações
O que se forma com a ‘ANIP’ é um ecossistema de negócios de impacto da periferia em que há um trabalho da ‘Banca’, e de seus parceiros, em gerar confiança dentro e fora. Como dito anteriormente, o empreendedorismo periférico é realizado com propósito desde a sua origem e alavancado por uma rede que analisa particulares e as inclui na sua realidade. Tudo isso baseado em um processo de escuta.
Exemplo vivo desse processo, o Jardim Ângela já foi considerado pela ‘Organização das Nações Unidas
(ONU)’ o lugar mais perigoso do planeta. Em 1996, a região apresentava uma taxa anual de assassinatos
elevada. De acordo com a ‘Folha de São Paulo’, naquela época eram cerca de 116 assassinatos para cada 100 mil
habitantes. O Bola, ‘A Banca’, a ‘ANIP’, os empreendedores e empreendedoras sociais acelerados(as) partem de contextos como esse ou de outros onde a vulnerabilidade social é uma realidade.
Aqui, tal qual a música e a cultura, o empreendedorismo passou a ganhar destaque como mais uma possibilidade
para a periferia. Apesar disso, Bola acredita que ainda há muito a ser feito: “Espero que gerações futuras sigam com a
sementinha que estão plantando há alguns anos na Banca com a ‘ANIP’ e os projetos no corre”. Além dos já citados, os objetivos por trás de todo esse trabalho podem ser muitos, por exemplo, uma melhor qualidade de vida, uma transformação da periferia para uma realidade incluindo mais acesso ou simplesmente a “paz”, assim como deseja Bola ao terminar cada um de seus e-mails.